Como estar na moda e ser um consumidor consciente?

Designers, produtores e especialistas em moda sustentável para listas dicas de como proteger o planeta – mantendo o estilo.

Por Redação National Geographic
Publicado 19 de abr. de 2022, 16:40 BRT

Assumir um estilo de vida sustentável também implica analisar nossos próprios hábitos de consumo, e o vestuário não é exceção. Na imagem, uma peça da designer Flávia Aranha, uma referência da moda sustentável no Brasil.

Foto de Mariana Caldas

Diante de uma urgente necessidade de mudar a forma como produzimos e consumimos os nossos bens, a moda sustentável – responsável e respeitosa com a Terra – se apresenta como um modelo positivo e possível, cuja proposta se contrapõe ao fenômeno da fast fashion, a moda rápida, e à lógica de consumo baseada no “compro-uso-descarto” que ela implica.

Um grupo de modelos veste as roupas da estilista brasileira Flávia Aranha na passarela da São Paulo Fashion Week 2021. A moda sustentável está ganhando cada vez mais visibilidade na América Latina e no Caribe.

Foto de Zé Takahashi

Reconhecendo o problema: fast fashion

A indústria têxtil deixou de seguir a lógica da necessidade de reabastecimento para seguir uma tendência que se renova a cada duas semanas e incentiva você a comprar e mudar seu guarda-roupa, explica Laura Opazo no livro Armario Sostenible (Guarda-roupa sustentável, em tradução livre). 

De acordo com os números da Aliança das Nações Unidas para a Moda Sustentável e da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o impacto negativo da indústria têxtil é responsável por:

8% das emissões de gases de efeito estufa (GEE);

215 bilhões de litros de água por ano;

500 mil toneladas de microfibras descartadas no mar; e

20% das águas residuais do mundo

"Não estamos inventando nada se dissermos que a indústria da moda/têxtil é uma das indústrias mais poluidoras e consumidoras de recursos do mundo. Você só tem que ir e verificar o lixão ao ar livre no Deserto do Atacama, no Chile, e tirar todas as conclusões só de olhar para ele", disse Máximo Mazzocco, ativista argentino e fundador da EcoHouse, em entrevista por telefone à National Geographic.

A Aliança da Nações Unidas pela Moda Sustentável também aponta que o modelo de trabalho da indústria da moda é impossível de se manter. "Dado o tamanho e alcance global, as práticas insustentáveis dentro do setor da moda têm impactos significativos nos indicadores de desenvolvimento social e ambiental. Sem grandes mudanças nos processos de produção e nos padrões de consumo na moda, os custos sociais e ambientais do setor continuarão a aumentar", adverte a Aliança em seu site.

"O modelo de consumo é o problema, e a indústria da moda é um dos principais promotores deste modelo insustentável", reforça Mazzocco.

Uma modelo veste uma peça de vestuário feita de forma sustentável, projetada como parte da La Costa Fashion Experience (Argentina, 2021).

Foto de DANTE CAGLIARDI

Moda sustentável: a resposta à mudança

O outro lado da moda rápida é a moda sustentável. Brenda Chávez, autora do livro Tu consumo puede cambiar el mundo (Seu consumo pode mudar o mundo, em tradução livre), define a moda sustentável como um sinal de humanidade e uma maneira de pensar o futuro. Laura Opazo, por sua vez, define esse movimento como "uma forma de encontrar o equilíbrio".

Na América Latina e no Caribe, a moda sustentável encontra cada vez mais espaços e atrai um maior número de consumidores, bem como de produtores. Jean Verdier, fundador da plataforma mexicana Fashion Green, diz que a moda sustentável "leva em conta três pilares fundamentais na construção do design: o social, o ambiental e o econômico". 

Se nos concentrarmos no último elo da cadeia, ou seja, o consumo, encontramos uma dimensão que tem a ver com hábitos e práticas que os consumidores podem adotar. Através de pequenas ações, pode-se contribuir para o efeito geral de fazer as coisas se transformarem.

Com base nas publicações dos autores aqui citados e dos especialistas consultados, é possível esboçar um guia simples para começar a dar os primeiros passos em direção ao consumo sustentável da moda.

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O design sustentável chamou a atenção do público na edição de 2021 da La Costa Fashion Experience na Argentina.

Foto de DANTE CAGLIARDI

1. Olhar para o guarda-roupa

Como qualquer mudança de hábito, estar consciente da moda requer, antes de mais nada, um olhar introspectivo. Para Laura Opazo, o exercício de analisar o guarda-roupa é semelhante a olhar para o espelho – você olha e percebe o que gosta e o que não gosta.

Nesse exercício, é importante se perguntar: de todas as roupas que tenho, quais uso mais? Quais uso menos? Quantas são semelhantes? Quais definem minha personalidade?

Outro aspecto fundamental é trabalhar a criatividade. "Quanto mais criativo você é, mais você brinca com seu guarda-roupa e menos você precisa. Se você for comprar algo, certifique-se de que sua peça de vestuário tenha pelo menos cinco combinações possíveis", aconselha Opazo.

"Uma vez que você sabe o que tem, o que usa, o que não usa, pode dar os próximos passos", diz Alejandra Gougy, estilista argentina de moda sustentável em entrevista à National Geographic. "Tais como reciclar, doar ou mesmo vender a peça de vestuário em lojas de segunda mão."

Dica extra: reconheça seu estilo. Como diz Opazo, é importante ser realista com o modo de vida que temos e, conseqüentemente, usar o tipo de roupa que melhor se adapte a nossa vida diária.

2. Reorganizar o guarda-roupa

Depois de observar o que se tem, pode-se dar lugar à segunda dica recomendada por especialistas: reorganizar ou atualizar o guarda-roupa pelo menos a cada duas semanas.

Nós tendemos, reflete Opazo, a nos movermos como autômatos, ou seja, fazemos as mesmas viagens toda vez que precisamos de algo. Esse mecanicismo muitas vezes nos impede de ter uma visão mais ampla do que está em nosso guarda-roupa. "Pessoalmente, recomendo [reorganizar o guarda-roupa] a cada duas semanas. Isso envolve mover as roupas, mover as que estão de trás para a frente, mudar os critérios para sua colocação."

Afinal de contas, cada mudança (não importa quão pequena) abre novas possibilidades.

3. Aplicar os 3Rs: reutilizar, reciclar, reduzir

A economia circular propõe um modelo que coloca peso sobre os chamados 3Rs: reduzir, reutilizar e reciclar.

Nesse sentido, reutilizar e reciclar significa dar oportunidade às peças de vestuário que poderiam acabar, por exemplo, no aterro do Atacama.

De acordo com o relatório Uma Nova Economia Têxtil: Redesenhando o Futuro da Moda, da Fundação Ellen MacArthur, o atual sistema de produção, distribuição e uso de confecções funciona de forma linear. Ou seja, grandes quantidades de recursos não-renováveis são extraídas para produzir roupas que, muitas vezes, são utilizadas apenas por um curto período de tempo e, como resultado, acabam, em sua maioria, em aterros sanitários ou processos de incineração.

O relatório também estima que, no mundo inteiro, clientes perdem US$ 460 bilhões jogando fora roupas que poderiam continuar a usar.

A designer brasileira Flávia Aranha trabalhando em seu ateliê.

Foto de DANI MALVA

3.1. Como reutilizar peças de vestuário?

De acordo com a Fundação MacArthur, a reutilização permite que o vestuário seja reutilizado, seja para o mesmo fim a que se destinava originalmente, seja para um novo.

"Podemos reutilizar peças de vestuário de diferentes maneiras. Você pode apelar para sua própria criatividade, dando outro uso à peça de vestuário original. Outra opção é vender o vestuário em lojas de segunda mão ou mesmo trocá-lo com um amigo", disse Gougy.

Outro conselho é assumir a responsabilidade pelas roupas que temos – até mesmo pelas que não gostamos mais. No caso de Laura Opazo, isso exigia reunir as roupas que ela não usava mais e dar-lhes uma segunda chance com a ajuda de sua costureira do bairro.

"Não sou uma costureira cheia de talento, mas decidi procurar alguém para me ajudar a adaptar essas roupas ao meu estilo real", disse a Opazo.

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3.2. Como reciclar roupas?

Quando o vestuário não pode ser reutilizado, o próximo passo é a reciclagem. A reciclagem requer que a matéria-prima, ou o vestuário original, passe por um processo ou tratamento para ser transformado em uma nova matéria-prima. 

Menos de 1% do material utilizado globalmente para produzir roupas é reciclado em roupas novas. Esse nível de desperdício resulta em uma perda anual de materiais no valor de mais de US$ 100 bilhões.

Reciclar também significa muitas vezes encontrar novos usos. Ao redor do mundo, marcas como a liderada por Alejandra Gougy estão transformando roupas e materiais originais para fazer novas peças de vestuário a partir de materiais descartados.

3.3. Reduzir o consumo de moda

Existe uma realidade inegável: produzimos mais do que precisamos. Chávez apontou que o negócio global da moda produz 150 bilhões de peças de vestuário por ano, muito além das necessidades de uma população mundial, de 7,9 bilhões.

Máximo Mazzocco é especialista em reduzir o consumo de roupas em sua vida diária – não é apenas um conselho que ele compartilha com outros, mas que ele aplica em seu dia a dia. "Reduzir o consumo desnecessário de roupas novas, limitando-se apenas ao estritamente necessário para seus gostos, é o que eu aconselho a partir de minha experiência pessoal", sugere ele.

Já Opazo, ao reorganizar seu guarda-roupa, notou que, em muitos casos, tinha roupas semelhantes ou repetidas, tais como camisas da mesma cor ou praticamente os mesmos tons. A pergunta antes de comprar é, portanto: será mesmo necessário? Eu realmente preciso disso?

À esquerda: No alto:

Um desenho da coleção "Sopro" (sopro) da brasileira Flávia Aranha.

À direita: Acima:

Uma modelo argentina desfila na passarela de La Costa Fashion Experience 2021. Os produtores e consumidores de moda sustentável estão ganhando cada vez mais espaços de convergência.

fotos de DANTE CAGLIARDI

4. Ler o rótulo

Todas as informações de que precisamos ao decidir se devemos ou não usar uma peça de vestuário devem estar na etiqueta. 

Para Opazo, verificar a etiqueta é um bom exercício de consumidor consciente. Lá você pode encontrar a composição, ou seja, de que materiais ele é feito. Isso permite avaliar seu impacto sobre o meio ambiente. 

Embora as etiquetas das roupas nem sempre sejam totalmente transparentes, Opazo recomenda que elas sejam examinadas, pois além da composição, também revelam origem e instruções para cuidar da peça. 

"Muitas vezes arruinamos a roupa porque não sabemos como lidar com dela. O tipo de lavagem ou de como passar no momento do uso são passos-chave para a manutenção do vestuário", diz ela.

Além disso, a origem detalhada no rótulo é uma informação essencial para abordar a cadeia de produção da peça de vestuário. "Não é a mesma coisa se vier de Bangladesh, Índia ou Paquistão", explica Opazo. "Se o preço de venda é muito baixo, provavelmente não vem de um lugar onde os trabalhadores são bem pagos."

Para Gougy, "quando você compra uma peça de vestuário por três dólares, você está contribuindo para um desenvolvimento insustentável. Ninguém pode pensar que por trás desse preço, a cadeia de produção envolvida na confecção de uma peça de vestuário está sendo contemplada com dignidade".

5. Priorizar as marcas locais

O processo de fabricação têxtil é um processo longo, que gera pegada de carbono. As distâncias, por exemplo, têm impacto sobre as emissões de gases de efeito estufa. A mudança de uma peça de vestuário da China para um país latino-americano, por exemplo, não gera os mesmos danos ambientais que uma peça de vestuário que é fabricada e distribuída dentro da mesma região, país ou cidade.

"O que estiver mais próximo de você será sempre o mais responsável, porque você sabe quem faz as roupas, você sabe como elas são feitas e você pode facilmente rastrear sua distribuição", disse Verdier.

Iniciativas de moda sustentável com foco local estão se espalhando por toda a América Latina, e o Brasil não é exceção.

Em entrevista à National Geographic, Fernanda Simon, diretora brasileira da organização ativista internacional Fashion Revolution, ressaltou que é essencial um maior comprometimento dos consumidores, empresas e autoridades públicas para pensar em soluções sistêmicas que estejam ligadas a uma verdadeira cultura de moda que reconheça e valorize o conhecimento dos povos indígenas e o conhecimento tradicional.

Já a designer brasileira Flávia Aranha, contou à National Geographic como sua marca homônima utiliza uma variedade de fibras ecologicamente corretas, incluindo umas feitas de caules de bananeira. Outras opções ecológicas envolvem o uso de algodão orgânico produzido por cooperativas locais e pequenos agricultores.

Dica bônus: cuidado com as compras digitais. No mundo da moda, o comércio eletrônico já é uma prática diária. No entanto, Laura Opazo recomenda ter cuidado com esse tipo de compra, especialmente no que diz respeito ao percurso da peça de vestuário.

Em muitas ocasiões, os preços de remessa são aparentemente gratuitos. "Com esta desculpa, compramos dois tamanhos ou várias peças de vestuário para experimentar em casa", diz Opazo. "Mas não levamos em conta que esse processo envolve uma viagem, uma viagem que o vestuário faz e que gera uma significativa pegada de carbono, cujos custos acabam sendo pagos pela Mãe Terra."

Detalhe dos tecidos sustentáveis na oficina da Flávia Aranha. Inovação e criatividade são partes indispensáveis do processo de produção do designer brasileiro.

Foto de DANI MALVA

6. Envolver-se

Há um conselho que faz toda a diferença: envolva-se na mudança.

A Semana da Fashion Revolution, que este ano acontece de 18 a 24 de abril, é uma dessas iniciativas que exige a participação de todos os atores envolvidos, incluindo os consumidores.

Para Simon, o evento procura interpelar as pessoas, amplificar vozes não ouvidas ou marginalizadas e trabalhar cooperativamente para encontrar soluções eficazes. 

Para isso, a organização brasileira tenta promover a conscientização e a educação para uma melhor compreensão do verdadeiro custo do vestuário, bem como de seu valor social, cultural e ambiental. Simon destaca que os consumidores têm a oportunidade única, através do processo de compra, de 'pressionar' as marcas a adotar um maior compromisso com modelos de negócios circulares e regenerativos.

"O mais importante é começar por si mesmo", resume Mazzocco. "Porque antes dos grandes desafios que as empresas e os governos devem assumir com urgência, existe o compromisso individual."

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