Por G1


MPF do Pará pede acesso à inquérito que acusa brigadistas de incêndios

MPF do Pará pede acesso à inquérito que acusa brigadistas de incêndios

A Polícia Civil do Pará investiga a suspeita de que quatro integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão estejam ligados às queimadas ocorridas em setembro em Santarém. O inquérito ainda não foi concluído, mas os quatro foram detidos preventivamente na terça-feira (26) e soltos nesta quinta-feira (28).

A Polícia Civil diz que o grupo ateou fogo na floresta para obter doações. A defesa dos suspeitos nega e diz que as escutas telefônicas não comprovam as acusações, enquanto ONGs citadas na investigação refutam acusações do delegado que cuida do caso.

Mais cedo nesta quinta, a Justiça Estadual do Pará determinou a soltura dos quatro suspeitos. A medida, assinada pelo mesmo juiz que autorizou a prisão preventiva e que optou por mantê-la na audiência de custódia, ocorre no mesmo dia que o Ministério Público Federal (MPF) questionou se o caso cabe à Justiça Estadual ou Federal. Também na quinta-feira o o Governo do Pará trocou o delegado responsável pelo caso e acionou a Corregedoria da Polícia Civil do Estado para apurar as investigações.

Veja abaixo o que se sabe sobre a investigação e o posicionamento dos envolvidos:

Origem da suspeita – doações e vídeo

O delegado de Polícia Civil do Interior, José Humberto Melo Jr, disse que suspeitas surgiram depois que ONGs sediadas em Santarém receberam doações por causa das queimadas. Na sequência dessa suspeita inicial, o delegado diz ter localizado um vídeo que mostra os brigadistas colocando fogo em um ponto da floresta. Com base nestas imagens, a polícia pediu a quebra de sigilo telefônico de quatro voluntários.

“Esse vídeo foi divulgado no YouTube e apagado logo em seguida. Ali não teria como começar um incêndio se não fosse por eles. Começou dali toda nossa investigação”, comentou o delegado José Humberto Jr.

O vídeo não foi divulgado pela Polícia Civil.

O Instituto Aquífero, que é responsável pela Brigada de Alter, diz não ter tido acesso ao vídeo citado, mas aponta uma hipótese para seu provável conteúdo: ele pode ser o registro de uma atividade de treinamento de brigadistas, inclusive usando a tática conhecida como “fogo contra fogo”.

Polícia do Pará prende quatro brigadistas suspeitos de causar incêndio em Alter do Chão e cumpriu mandados na sede da ONG Saúde e Alegria. — Foto: Divulgação

Investigação – movimentação financeira

Citando as doações e o vídeo, a Polícia pediu a quebra de sigilo telefônico dos quatro presos e diz que passou a acompanhar a movimentação financeira das ONGs. Um dos detidos é funcionário da ONG Saúde e Alegria e também atuava como voluntário na Brigada, que é uma iniciativa do Instituto Aquífero.

“Conseguiram logo após esse incêndio um contrato com a WWF, inclusive eles venderam 40 imagens para a WWF ao custo de R$ 70 mil para uso exclusivo. E com essas imagens a WWF conseguiu financiamentos, inclusive doações a título de exemplo, do ator Leonardo DiCaprio que doou 500 mil dólares para a WWF auxiliar essas ONGs no combate às queimadas na Amazônia.”

Em nota, o WWF nega que tenha comprado imagens do grupo. A ONG diz que apoiou com equipamentos e afirma que o "fornecimento de fotos por qualquer parceiro da organização é inerente à comprovação das ações realizadas, essencial à prestação de contas dos recursos recebidos e sua destinação no âmbito dos Contratos de Parceria Técnico-Financeira".

O WWF diz que não recebeu qualquer doação do ator Leonardo DiCaprio, como diz o delegado.

Investigação – quebra do sigilo telefônico

A Polícia Civil divulgou 11 arquivos de áudio das interceptações telefônicas. Durante coletiva na terça-feira (26), o delegado ressaltou detalhes de uma conversa na qual um dos brigadistas fala sobre o fogo. Na visão da polícia, a conversa é uma das "provas robustas" que levaram a Justiça a permitir a prisão preventiva.

A defesa dos suspeitos diz que a análise é uma conjectura. "Não vi nada que incriminasse os brigadistas. Só conjecturas", disse o advogado José Ronaldo Dias Campos. Ele defende Gustavo de Almeida Fernandes, brigadista detido. "Estamos trabalhando para revogar a insubsistente prisão preventiva dos brigadistas, que acreditamos injusta.”

Em nota, o Instituto Aquífero diz que “os trechos de áudio de um brigadista voluntário que foram vazados para a imprensa estão sendo disseminados sem a devida contextualização”.

Trecho lido pelo delegado na coletiva:

GUSTAVO (Gustavo de Almeida Fernandes, brigadista): Então. Se você tiver um tempinho a gente pode conversar, eu tô por trás de tudo, né. Eu sou da brigada de Alter e a gente é do Instituo Aquífero Alter do Chão que incubou a brigada, né, um ano e meio atrás e estamos recebendo apoio de todo mundo... WWF tá esperando uma resposta para segunda-feira de um contrato de 70 mil em equipamento pra brigada. A vaquinha deu 100 mil, da galera, uma vaquinha nossa, sem aplicativo...

CECÍLIA (interlocutor não apresentado pela polícia): Ah! Que coisa, hein?

GUSTAVO: É. Tá maravilho! Tá maravilhoso.

CECÍLIA: Que bom.

GUSTAVO: Tá triste, né. Foi triste, a galera esta num momento pós traumático, mas tudo bem.

CECÍLIA: Mas já controlou?

GUSTAVO: Tá extinto, é.

CECÍLIA: É. Que bom.

GUSTAVO: Mas quando vocês chegarem vai ter bastante fogo, se preparem. Nas rotas, nas rotas inclusive.

CECÍLIA: É mesmo?

GUSTAVO: Vai. O horizonte vai estar todo embaçado.

CECÍLIA: Puta merda!

GUSTAVO: Mas... normal, né?

CECÍLIA: Não começou a chover, ainda? Porque em Manaus...

GUSTAVO: É. Vai começar a chover em dezembro pra janeiro. Se vocês tiverem sorte chove um pouco antes ou depois que vocês ir embora.

CECÍLIA: (risos)

Quais as ONGs citadas pela investigação?

A Polícia Civil cita as ONGs Instituto Aquífero Alter do Chão e a Saúde e Alegria. A polícia afirma que a Saúde e Alegria, que atua há mais de 30 anos no Pará, "emprestou" o CNPJ para o recebimento de doações.

“A Saúde e Alegria tem o CNPJ, só que o instituto Aquífero não tinha CNPJ. Então eles recebiam pela Saúde e Alegria”, disse o delegado José Humberto Melo Jr.

Em Brasília, o diretor da ONG Saúde e Alegria, Caetano Scannavino, negou que a entidade tenha emprestado seus documentos ou dados para o repasse de dinheiro para o Instituto Aquífero. Ele reafirmou ter parcerias na formação de brigadistas e ter apoiado as iniciativas da brigada criada em 2018.

Entre as acusações de mau uso do dinheiro, a Polícia Civil citou que o Instituto recebia doações e fazia a "autocontratação" dos brigadistas, fazendo o dinheiro circular somente dentro do grupo. O Instituto Aquífero nega irregularidades e esclarece que o corpo de voluntários é uma iniciativa da própria ONG. “Sendo uma ação mantida pelo próprio Instituto Aquífero, é equivocada a informação de que a Brigada tenha recebido doações da organização.”

Quais documentos foram apreendidos?

A Polícia Civil não deu detalhes sobre as apreensões. Foram levados papéis e computadores. A ONG Saúde e Alegria criticou as apreensões.

"Não sabemos até agora do que a gente está sendo acusado, porque foram até o nosso escritório sem decisão judicial, com um mandado genérico, para apreender tudo. Do que a gente está sendo acusado? Não tivemos nem acesso ao inquérito”, disse Caetano Scannavino.

Justiça mantém prisão de brigadistas de Alter do Chão, no Pará

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Qual a suspeita sobre a prestação de contas?

A Polícia Civil diz ter suspeitas de que os detidos estivessem desviando recursos. O delegado afirma que o grupo recebeu cerca de R$ 300 mil em doações (em dinheiro ou equipamentos), mas só declarou R$ 100 mil.

“Existe uma suspeita muito contundente de que estavam falsificando algumas documentações. De que forma, eles recebiam determinado valor alto e declaravam outro valor muito mais baixo. Isso aí está sendo outra linha de investigação. Representamos por outras medidas cautelares no sentido de comprovar essa movimentação financeira irregular que eles estavam querendo fazer aqui para a ONG.”

O delegado não deu detalhes sobre qual o período das doações estava se referindo.

O Instituto Aquífero nega irregularidades. Esclarece que já fez a "devida declaração" das doações no fim de setembro e que doações recebidas depois daquele mês estão sendo consolidadas. Sobre o recurso do WWF, a prestação vai ocorrer para a ONG até o prazo previsto no acordo, no dia 10 de dezembro.

“É importante ressaltar que os documentos contábeis da organização estão atualizados e em dia, não havendo discrepâncias nos valores recebidos – valores estes que incluem doações de outras organizações não governamentais e de um elevado número de pessoas físicas, tanto do Brasil quanto do exterior. Quaisquer discrepâncias alegadas são justificadas – e serão dirimidas a seu tempo – pelo cronograma de apresentação dos relatórios de prestação de contas, ainda em andamento”, afirmou o Instituto Aquífero em nota.

O que disse a Justiça?

O G1 teve acesso ao requerimento de prisão preventiva concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará. No documento, o juiz Alexandre Rizzi, da 1ª Vara Criminal de Santarém, pede a prisão preventiva dos quatro suspeitos pelo cometimento, em tese, de crime contra a flora e associação criminosa.

No texto, eles são apontados como “envolvidos diretamente nos incêndios ocorridos dentro da APA de Alter do Chão a fim de auferir vantagens financeiras por meio de doações e contrato firmado com a ONG WWF”. O juiz destaca ainda que, para a prisão preventiva, bastam “indícios acerca da autoria e a prova da materialidade delitiva”. No mesmo requerimento, Rizzi autoriza mandados de busca e apreensão na casa dos quatro suspeitos presos e na sede das ONGs citadas.

Não fica claro, no entanto, se foram usadas pelo juiz outras provas além dos áudios obtidos por meio de grampo telefônico dos acusados. O documento cita movimentações financeiras das ONGs suspeitas, mas não demonstra como elas estão envolvidas com os supostos incêndios criminosos.

Também não há menção à quebra de sigilo fiscal dos acusados e das ONGs envolvidas, apesar da correlação feita entre os supostos incêndios provocados e as doações feitas pela ONG WWF.

O principal argumento usado pelo juiz é que, em um dos áudios, há indícios de que os acusados sabiam onde e quando haveria incêndios florestais na região. Para justificar o pedido de prisão, Rizzi afirma que os grampos telefônicos revelaram “conversas onde deixam transparecer estranha previsibilidade de queimadas por parte dos líderes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão”.

No trecho da ligação em que um dos suspeitos fala que “haverá bastante fogo, inclusive nas rotas por onde passarem”, o juiz afirma que fica “bem evidente que naquela ocasião [o acusado] estava se referindo a queimadas orquestradas”.

Nesta quarta-feira (27), o mesmo juiz decidiu manter a prisão preventiva dos quatro brigadistas. Na audiência de custódia, Alexandre Rizzi diz que tomou a decisão “para garantia da ordem pública” porque, segundo ele, haveria risco de que os acusados cometessem novos crimes.

Na decisão, o juiz reafirma as suspeitas levantadas por movimentações financeiras das ONGs e também cita os diálogos interceptados para justificar a manutenção da prisão.

“As conversas interceptadas denotam que novos incêndios estavam previstos com alto grau de certeza”, disse o juiz Alexandre Rizzo na deliberação.

Em relação às movimentações financeiras, o juiz disse que as organizações onde os suspeitos atuam “receberam vultuosas quantias em doações para fins de colaboração no combate a incêndios” mas que haveria “indícios que parte do referidos recursos não foram/eram aplicados conforme o fim que se destina”.

O juiz afirmou ainda que os recursos eram angariados “mediante suposta atuação fraudulenta dos envolvidos, que provocavam as situações que queima para autopromoção e chamar a atenção da sociedade”.

O que disse o Ministério Público Federal?

Na quarta-feira (27) o Ministério Público Federal (MPF) em Santarém (PA) enviou um ofício à Polícia Civil do Pará pedindo acesso ao inquérito que acusa brigadistas. O órgão disse que desde 2015 investiga as causas de incêndios na região de Alter do Chão e "que nenhum elemento apontava para participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil".

Pouco depois, o órgão se manifestou novamente e pediu nesta quinta-feira (28) para analisar o processo judicial que trata da prisão dos quatro brigadistas. O objetivo, segundo a promotoria, é verificar se há competência federal ou estadual no caso.

O pedido do MPF para analisar se a competência do caso é federal ou estadual, enviado à 1ª Vara Criminal da Comarca de Santarém, explica que já existe um inquérito na Polícia Federal para apurar as queimadas na região.

Se ficar confirmado que as queimadas ocorreram em terras públicas federais, a atribuição para investigar não é da Polícia Civil, e sim da esfera federal, na visão do MPF. O órgão informou que desde 2015 investiga ataques grileiros na mesma região. Há, inclusive, dois processos na Justiça Federal de Santarém que tratam de grilagem e danos ambientais na APA Alter do Chão.

Governo do Pará - troca de delegado e corregedoria

Ainda na quinta-feira o Governo do Pará determinou a troca do delegado responsável pelo caso e acionou a Corregedoria da Polícia Civil do Estado para apurar as investigações.

Em nota, o governo do Pará informou que o Diretor da Delegacia Especializada em Meio Ambiente, Waldir Freire Cardoso, vai substituir o delegado que presidia o inquérito, Fábio Amaral Barbosa.

O governo disse ainda que "não há qualquer qualquer predisposição contra qualquer segmento social" e que "caso a conclusão das investigações apure crime, trata-se de fato isolado".

"O Governo do Pará reitera que as ONGs são fundamentais para a preservação das florestas no Estado e que o Executivo continua parceiro de todas as instituições e entidades que respeitam as leis brasileiras", segue o texto.

O que determina o alvará de soltura?

O juiz Alexandre Rizzi determinou nesta quinta-feira (28) a soltura dos quatro brigadistas que foram presos preventivamente em investigação da Polícia Civil sobre incêndios florestais na APA Alter do Chão, em Santarém. O magistrado é o titular da 1ª Vara Criminal de Santarém. Ele apontou no despacho que mandou libertar os voluntários depois de ser informado sobre a grande quantidade de material apreendida e que ainda precisa ser analisada pela polícia.

Alexandre Rizzi é o mesmo juiz que autorizou a prisão preventiva dos quatro suspeitos, em análise do pedido da Polícia Civil do Pará. Foi também o mesmo juiz que manteve os suspeitos presos após a audiência de custódia.

Para justificar a decisão pela libertação dos voluntários, Rizzi fala em “reanálise” e diz que “passa a ser nítida a incompatibilidade do status prisional com a complexidade das investigações”.

No alvará de soltura, o juiz determina que os quatro suspeitos:

  • Compareçam mensalmente no tribunal;
  • Permaneçam em seus domicílios das 21h às 6h e nos dias em que não estiverem trabalhando;
  • Fiquem proibidos de deixar a região, sem autorização do juiz, por mais de 15 dias;
  • Entreguem seus passaportes em até 48 horas.

Rizzi destaca ainda que a decisão “não significa qualquer juízo de absolvição dos acusados”, apenas garante a eles o direito de responderem em liberdade.

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