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Avanços tímidos na COP-25 adiam novamente resoluções de problemas climáticos

A conferência da ONU não conseguiu entregar boa parte do que prometeu, e cientistas apontam frustrações
Madrid teve protestos pelo clima por conta da COP-25 Foto: Nacho Doce/Reuters / Nacho Doce/Reuters
Madrid teve protestos pelo clima por conta da COP-25 Foto: Nacho Doce/Reuters / Nacho Doce/Reuters

MADRI - “Este é realmente um compromisso mínimo. Adiar todas as questões relevantes dificilmente está alinhado com a emergência climática que nós, cientistas, destacamos durante a COP-25 ”. Com esta frase, o climatologista sueco Johan Rockström resumiu a frustração gerada pela 25ª Conferência do Clima das Nações Unidas , que terminou ontem, com dois dias de atraso, em Madri .

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—A ciência é clara: se aquecermos nosso planeta além de 1,5°C, poderemos entrar em uma zona de perigo de desestabilização do clima—, seguiu o cientista, que dirige o Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático (PIK).

A conferência da ONU não conseguiu entregar boa parte do que prometeu e, por isso, perdem todos. Os quase 200 países participantes concordaram em apresentar “compromissos mais ambiciosos” para reduzir as emissões de gases poluentes, mas os detalhes sobre como isso será feito serão acertados somente na próxima cúpula, em novembro de 2020, na Escócia.

O mecanismo que regularia os mercados de carbono compreendidos no artigo 6 do Acordo de Paris, tema fundamental do encontro, também ficou para a próxima rodada. O Brasil, os EUA e a Austrália levaram a culpa pela falta de acordo nesse ponto.

O ministro do Meio Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, resumiu pelas redes sociais sua visão sobre o evento: “COP-25 não deu em nada”. Ele atribuiu o fracasso aos países ricos e disse que “protecionismo e hipocrisia andaram de mãos dadas, o tempo todo”.

Viu isso? Bolsonaro, sobre a COP: 'Houve uma resolução para reflorestar a Europa ou eles estão apenas incomodando o Brasil?'

Avaliação semelhante fez o presidente Jair Bolsonaro, que disse que a conferência “é apenas um jogo comercial”.

— Eu realmente gostaria de saber: houve uma resolução para reflorestar a Europa ou eles estão apenas incomodando o Brasil? — disse o presidente, em coletiva em Brasília.

A delegação nacional saiu-se mal no geral, com imagem muito negativa. O objetivo do governo de aprovar um texto em que as operações privadas de redução de emissões de carbono não teriam abatimento na meta nacional —mecanismo que os europeus dizem que causaria uma dupla contagem de emissões— não foi adiante.

Outro ponto ruim para a imagem do país foi o fato de se opor a incluir alguma menção a direitos humanos e direitos dos povos indígenas no artigo 6, tema que voltará na COP-26. O país também não quis que se usasse “emergência climática” nos textos, apenas “urgência climática”. E ainda se opôs claramente a diálogos sobre oceanos e terra.

— O país se opõe ao diálogo sobre o uso da terra pois significa colocar um holofote global na questão do desmatamento, podendo levar a exigências adicionais no relato de emissões ou até em alguma meta — registra Raoni Rajão, professor de gestão ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais. — O Brasil veio com pleitos fortes. Quer vender créditos de carbono mesmo sem reduzir o desmatamento e não queria que se desse atenção ao uso da terra.

Colômbia ganha fundo

Fora das salas de negociação, nos corredores da COP, Colômbia e Indonésia celebravam parcerias para preservar suas florestas, nos moldes do que foi feito com o Fundo Amazônia , no Brasil, mas que foi desmontado por Ricardo Salles neste ano.

Noruega, Alemanha e Reino Unido darão US$ 366 milhões (R$ 1,5 bilhões) à Colômbia para recompensar seu resultado em reduzir desmatamento. A Noruega dará US$ 1 bilhão (R$ 4,1 bilhões) à Indonésia, pelo mesmo princípio.

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Já o fundo de Perdas e Danos não saiu do papel por conta dos países ricos, escorados nos EUA. O tema se arrasta há anos nas COPs e é vital para pequenas ilhas que naufragam com a alta dos níveis do mar, e áreas vulneráveis a inundações, como Bangladesh, ou secas, como países africanos.

Estas nações mais vulneráveis, que não contribuíram em nada para o problema do aquecimento e praticamente não emitem gases-estufa, não têm mais tempo para se adaptar à mudança do clima. Estão perdendo vidas e seus territórios.

Fazer um novo fundo, emergencial, para estes países, estabeleceria uma correlação entre quem causou o problema e quem sofre com ele. Seria um precedente na jurisprudência que os países ricos não querem abrir, temendo a conta futura. A sugestão deles é prover fundos via seguros de vida e patrimônio muito mais baratos, para atingir populações carentes. A COP-25 teria que avançar neste rumo. Progrediu algo em ações para minimizar as perdas, é verdade. Mas o fundo com recursos não veio.

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— Essa COP chamava para ação e ambição. Esperavam-se respostas claras —disse Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. —Os resultados são frustrantes: não temos clareza como o processo vai contribuir para o aumento das ambições ao longo do tempo, com incertezas sobre financiamento climático e sobre os mercados de carbono, que era um tema central.

— Não diria que a COP-25 fracassou totalmente mas o texto é fraco na parte de ambição e mostra falta de vontade política dos maiores emissores — diz Fernanda Viana de Carvalho, gerente global de políticas de clima do WWF Internacional. — O grande teste será em 2020, com as metas, as NDCs, que têm que ser fortalecidas.

*A jornalista viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade